As mãos dizem o que a boca silencia.
quinta-feira, setembro 30, 2004 |
As mãos dizem o que a boca silencia.
Tenho boa memória. Por vezes esqueço-me de mim.
quarta-feira, setembro 29, 2004 |
amar:
v. tr.,
ter amor a;
gostar muito de;
desejar;
escolher;
apreciar;
preferir;
v. int.,
estar apaixonado
amo-te
Invento-te dia após dia
nas sombras projectadas na parede
como se fosse um equívoco
esperar que a madrugada me indique
o itinerário no interior das pálpebras
segunda-feira, setembro 27, 2004 |
Esteios de mãos abertas
sobre o corpo
deixam na anca o húmus e o brilho
gravam as cores do mármore
e da íris
traçam a trança dos veios
a filigrana de cetim.
não foi fácil esquecer-te e agora que consegui, sinto que te estou a trair.
depois de um fim-de-semana com poucos motivos para rir, eis que ouço esta manhã, na Antena 1, o Júlio Machado Vaz dizer mais ou menos isto: ‘Estou muito contente pelo PS ter, à frente do destino do partido, o Sócrates. Está na hora do PSD contratar o Platão.’
Ele há coisas que me fazem rir.
sexta-feira, setembro 24, 2004 |
Imagino-te no fundo do mar
na quietude das ondas na mará vaza
(na ternura ausente)
e, por momentos, sou a migração dos pássaros
a gaivota em terra firme
só no silêncio se mede a confluência das palavras.
quinta-feira, setembro 23, 2004 |
Nota: não esquecer de comprar milho para pipocas.
Não gosto de: palavrões;
pessoas que cospem para chão;
falta de pontualidade;
pseudo-intelectuais;
gajos de direita e gajos de esquerda;
padres, freiras e acólitos;
intolerância e falsa tolerância;
borbulhas na cara;
Paulo Coelho;
ostras;
idealistas;
discotecas e afins;
whisky, vodka, martini, gin;
natal, páscoa e carnaval;
cola em stick;
água natural;
seven-up;
exuberância;
piercings;
heavy metal;
gelatina;
aranhas
Este blog atingiu as 196 visitas.
98 são minhas à procura de notícias do meu 'cão' Horácio e as outras 98 são do 'cão' Horácio à procura de notícias da dona.
Os animais são nossos amigos.
Tenho uma pasta no desktop que contém 541 e-mails. A última contagem foi feita hoje às 12:28h.
quarta-feira, setembro 22, 2004 |
Ingredientes:
Sem lavar, coloca-se a camisola amarela dentro do saco de plástico transparente e guarda-se no baú das memórias. Na manhã seguinte, abre-se o baú das memórias, retira-se a camisola amarela, ainda quente pelo calor do corpo, do saco de plástico transparente. Cheira-se com saudade. Recorda-se com ternura. Finda a operação, leva-se a lavar a 40º. Centrifuga-se.É que não se pode deixar que o efémero nos estrague o destino.
1 camisola amarela
1 saco de plástico transparente
Modo de preparação:
Se este blog tivesse música, hoje seria esta. A duas vozes...
Espalhem a notícia
do mistério da delícia
desse ventre
espalhem a notícia do que é quente
e se parece
com o que é firme e com o que é vago
esse ventre que eu afago
que eu bebia de um só trago
se pudesse
Divulguem o encanto
do ventre de que canto
que hoje toco
a pele onde à tardinha desemboco
tão cansado
esse ventre vagabundo
que foi rente e foi fecundo
que eu bebia até ao fundo
saciado
Eu fui ao fim do mundo
eu vou ao fundo de mim
vou ao fundo do mar
no corpo de uma mulher
A terra tremeu ontem
não mais do que anteontem
pressenti-o
o ventre de que falo como um rio
transbordou
e o tremor que anunciava
era fogo e era lava
era a terra que abalava
no que sou
Depois de entre os escombros
ergueram-se dois ombros
num murmúrio
e o sol como é costume foi um augúrio
de bonança
sãos e salvos felizmente
e como o riso vem ao ventre
assim veio de repente uma criança
Falei-vos desse ventre
quem quiser que acrescente
da sua lavra
que a bom entendedor meia palavra
basta é só
adivinhar o que há mais
os segredos dos locais
que no fundo são iguais
em todos nós.
Sérgio Godinho - Canto da Boca (1981)
terça-feira, setembro 21, 2004 |
Foi mais ou menos assim: os corpos deixaram de ser apenas um cais para se afundarem na trajectória visível dos olhos...
segunda-feira, setembro 20, 2004 |
«São dez ou doze pessoas assustadas - um grupo. Sentam-se em redor de um saco cheio de medos: o medo da solidão, o medo do passado, o medo do presente e do futuro. São umas tantas pessoas trémulas que entre si decidiram o fingimento de ignorar a presença do saco - e chamam a isso coragem. São umas tantas pessoas mudas de terror, que lançam risos, perguntas e respostas - e chamam a isso comunicação. Mas o saco lá está.O grupo agita-se, fermenta, organiza, tem ideias, discute, põe, dispõe e contrapõe, lança-se em intermináveis conversas durante as quais o mundo é desfeito e outras vezes refeito - enquanto dentro do saco se enrolam os medos, viscosos como lesmas, à espera da sua hora. São dez ou doze avestruzes que escondem cautelosamente a cabeça na areia e meneiam de companhia as caudas emplumadas. E são inteligentes. Todos vieram de longe e sabem muito. Leram todas as bibliotecas, viram todas as pinturas, entenderam todas as músicas. Têm no bolso do casaco ou na malinha de mão as trinta e seis maneiras radicais de transformar o universo próximo ou remoto - mas nenhum deles transformou a sua pequena vida pessoal e, em alguns casos, infelizmente transmitida. Quando o grupo se dispersa (coisa que não pode evitar, de vez em quando, por razões de higiene) continua, de longe, a gravitar à roda do saco dos medos. Aí, o medo da solidão faz convergir de novo os doze planetas para o foco central do sistema. Cada qual apresenta então a sua fraqueza e espera-se que de doze debilidades nasça uma força. O grupo tem destas ilusões(...)»
sábado, setembro 18, 2004 |
Qualquer sinal de ausência pode ser apenas um veleiro que partiu dos nossos dedos.
sexta-feira, setembro 17, 2004 |
Se a perfeição existe, ela está aqui...
Construção
Chico Buarque
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado
São ansiosas as mãos que percorrem o corpo mas é na masturbação volátil do olhar que se incendeia o desejo.
quinta-feira, setembro 16, 2004 |
Dois
corpos
inventam-se
num
labirinto
caiado
de
paixão
Conhecem
todos
os
cambiantes
dos
seus
corpos
até
à
ruptura
líquida
do
d e s e j o
terça-feira, setembro 14, 2004 |
Magnificamente cantada pela Astrud Gilberto:
The look of love
The look of love is in your eyes
a look your smile can't disguise
the look of love
is saying so much more
than words could ever say
and what my heart has heard,
it takes my breath away
I can't hardly wait to hold you
feel my arms around you
how long have I waitedwaited
just to love you
now that I have found you
You’ve got the look of love
is on your face
a look that time can't erase
Be mine tonight
let this be just the start
of many nights like this
let's take a lover's vow
and seal it with a kiss
I can't hardly wait to hold you
feel my arms around you
how long have I waited,
waited just to love you
now that I have found you
Don’t ever go…
don't ever go…
segunda-feira, setembro 13, 2004 |
Gosto do cheiro a terra molhada.
sexta-feira, setembro 10, 2004 |
1
Já me ensinaram que o sol
não morre Eu acredito
na noite (o meu coração morre às escuras).
2
É verdade que acredito no homem
que não fala (no homem que comunica
com as mãos). acredito
na dor reveladora das coisas decepadas.
3
É verdade que estou muito triste
na terra (já me indicaram a estrada
com luz pública). Estou sentado nos degraus
como alguém que parou de subir.
Daniel Faria - Poesia
fotografia 'roubada' algures por aí.
- quando vens?
- não sei. irei.
- espero-te no cima das escadas mas lembra-te: não é a casa que está em ruínas. sou eu.
pior que a ave que morre,
é a ave que cai, ferida, em lugar incerto
quinta-feira, setembro 09, 2004 |
Irás, pois, até ao Arcos.
Porque assim ficou prometido há muitos anos. Mas, apesar de tudo, ficarás mais próximo da memória de outros dias, do que das sombras das casas de Arcos de Valdevez.
Estenderás ao barqueiro sombrio o óbolo com que lhe agradecerás o ter-te levado para a outra margem. E aprenderás que os rios mudam de nome mas as águas são as mesmas.
Irás depois rente ás casas, algumas das quais acentarão em outras mais antigas construídas pelos Galo-Celtas alguns séculos antes de Cristo.
Por tudo isto, entendo que tenhas que cumprir esse ritual de ir até aos Arcos, de te sentar junto à margem do Vez ou de lançar boomerangs para o outro lado.
Chegarás à praça coberta de arcos que perpetuam a memória de um rei desconhecido ao seu povo. E talvez penses numa mulher que merecesse o triunfo de uma lembrança, nem que seja no claro e escuro de um postal ilustrado que perpetua a infância.
Entrarás pois no velho solar, já muito pela tardinha. E o afago que fazes em determinado cabelo mais não será que um gesto antigo que ficou mais próximo do Douro do que do Vez.
Estou completamente viciada na faixa 4 do último cd da Adriana Calcanhoto.
Tenho dito!
«Quando aqui não estás o que nos rodeou põe-se a morrer.»
Al Berto
O sono senta-se no murmúrio
do pensamento
porque é aqui o reduto dos sonhos.
Estou onde os meus olhos
vertem o limite de mim
e o medo escreve a urgência
de um pássaro sem nome.
segunda-feira, setembro 06, 2004 |
Preciso de um gesto,
de um abraço de mar onde moinhos naveguem os ventos
(impenetrável e silênciosa ponte para o deserto da memória)
Preciso de um gesto,
de uma chuva de pétalas sobre a turva espuma
(lembrança dos dias que carrego nas mãos)
Preciso de um gesto,
desamarrar a ternura,
descoagular sorrisos e palavras sem nome
(teia apertada no circuito da solidão)
Respiro-me sobre o azul,
pergunto-me da infância passada
na íntima ternura de ser tudo e nada.
Teimosia
Tim / Xutos & Pontapés
Mares doces, utopia
Sonhos e maré vazia
Caranguejo persistente
Fuça no lodo
E a gente
Passa apressada adiante
Só pensando na vazante
Que leva o barco p’rá foz.
Ouve-se do cais uma voz
Perguntar se temos nós
A certeza de voltar
Porque com tanta destreza
Nos esquecemos sobre a mesa
Das cartas de marear...
Tantas vezes, tantos dias
Por causa de teimosias
Nós perdemos a vontade
De ouvir outra verdade
De deixar entrar o ar
Só pensando em acabar
Mesmo que fiquemos sós.
Ouve-se do cais uma voz
Perguntar se temos nós
A certeza de voltar
Porque com tanta destreza
Nos esquecemos sobre a mesa
Da carta de marear...
sexta-feira, setembro 03, 2004 |
Comovem-me os teus braços
numa volta de ternura sobre mim
devagar choro tudo.
Deixa-me ir contigo até ao fim
mais agudo da tua vida
renascemos mordendo trigo novo.
Sentei-me nos troncos de madeira
pertenço ao sul dos astros
na planície da terra.
Pegada sobre pegada guiei-me
pela luz e as estrelas nas folhas que
ficaram.
Ouvi as tuas mãos
que te guardaram os dias de herança
castrada.
Quem te quebrou as costas selvagens
de cravos na boca?
Deixa-me molhar-te desta seiva
nova
que o mundo treme
foge-nos o tempo no
espinho de uma rosa brava.
quarta-feira, setembro 01, 2004 |
ouve os declives do sol
a maneira das unhas sobre as dunas.
espaços vazios, terra,
ruga iluminada.
as balas que nos roubam
as coisas mais pequenas
sombra, trajectória dos bichos
sobre a erva.
desgaste, cansaço, peso, mãos
dentro dos pulsos
olfacto, veias
sulcos, espuma, claridade na testa.
ouve estas coisas usuais
de espeços breves
esperas longas
dedos desiguais
ventos insectos
cutâneas e subcutâneas nuvens.
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