segunda-feira, fevereiro 28, 2005   

 

#5

 

o pó tem a cor da ausência.
a noite, a cor do pó.

 

quinta-feira, fevereiro 24, 2005   

 

#4

 

ignoro quase tudo enquanto durmo.
quase tudo.

 

terça-feira, fevereiro 22, 2005   

 

#3

 

as mãos
são principalmente as mãos
que nos levam a lugares que
não existem
dentro de tanto papel
dentro de tantas palavras

erram as mãos
juntas
escrevem a lápis um dia que
não existiu.

 

segunda-feira, fevereiro 21, 2005   

 

#2

 

É noite. As paredes parecem mais altas.

 

 

 

#1

 

movo-me em bicos de pés para não assustar o silêncio.

 

 

 

 

«Os barcos são a imagem que resta para fugir
mas só as palavras nos embriagam
são labareda que devora os barcos e a memória
onde nos movíamos
esquecemos o que nos ensinaram
e se por acaso abríssemos os olhos
um para o outro
encontraríamos outra imobilidade outro abismo
outro corpo hirto
latejando na imperceptível ferida nocturna

pernoito na precária vida do fogo
este rumor de mãos ao de leve pelo corpo
adormecido na superfície do espelho
assalta-me o desejo incerto de te acordar
e o medo de querer de novo tudo reinventar.»

- Al Berto, Vigílias

 

sexta-feira, fevereiro 18, 2005   

 

cof cof

 

clicar na imagem

 

quinta-feira, fevereiro 17, 2005   

 

 

É oficial

Estou rendida à voz sussurrada do Pedro Abrunhosa. Rendida à voz e aos poemas.

«Será

Será que ainda me resta tempo contigo,
ou já te levam balas de um qualquer inimigo.
Será que soube dar-te tudo o que querias,
ou deixei-me morrer lento, no lento morrer dos dias.
Será que fiz tudo que podia fazer,
ou fui mais um cobarde, não quis sofrer.
Será que lá longe ainda o céu é azul,
ou já o negro cinzento confunde Norte com Sul.
Será que a tua pele ainda é macia,
ou é a mão que me treme, sem ardor nem magia.
Será que ainda te posso valer,
ou já a noite descobre a dor que encobre o prazer.
Será que é de febre este fogo,
este grito cruel que da lebre faz lobo.
Será que amanhã ainda existe para ti,
ou ao ver-te nos olhos beijei-te e morri.
Será que lá fora os carros passam ainda,
ou estrelas caíram e qualquer sorte é benvinda.
Será que a cidade ainda está como dantes
ou cantam fantasmas e bailam gigantes.
Será que o sol se põe do lado do mar,
ou a luz que me agarra é sombra de luar.
Será que as casas cantam e as pedras do chão,
ou calou-se a montanha, rendeu-se o vulcão.
Será que sabes que hoje é domingo,
ou os dias não passam, são anjos caindo.
Será que me consegues ouvir
ou é tempo que pedes quando tentas sorrir.
Será que sabes que te trago na voz,
que o teu mundo é o meu mundo e foi feito por nós.
Será que te lembras da cor do olhar
quando juntos a noite não quer acabar.
Será que sentes esta mão que te agarra
que te prende com a força do mar contra a barra.
Será que consegues ouvir-me dizer
que te amo tanto quanto noutro dia qualquer.
Eu sei que tu estarás sempre por mim
não há noite sem dia, nem dia sem fim.
Eu sei que me queres, e me ama também
me desejas agora como nunca ninguém.
Não partas então, não me deixes sozinho.
Vou beijar o teu chão e chorar o caminho.
Será,
será,
será.»

É oficial

Estou a ficar demasiado lamechas.

 

 

 

 

Quintas de Leitura no TCA

«Óculos azuis, mundo azul»
  • Recitadores - Naná Menezes e Pedro Mexia
Hoje, às 22h no café-teatro do Teatro do Campo Alegre.

«os meus demónios
é que escrevem os poemas»

 

quarta-feira, fevereiro 16, 2005   

 

 

aperto o deserto nos dedos, como se fosses um corpo de areia *


Namibe - Angola

* Pedro Abrunhosa

 

 

 

 

Já falta pouco. Muito pouco.

IUPI!

 

 

 

otoverme matinal

 

A morte saiu à rua num dia assim
naquele lugar sem nome para qualquer fim

uma gota rubra sobre a calçada cai
e um rio de sangue de um peito aberto sai

o vento que dá nas canas do canavial
e a foice duma ceifeira de Portugal

e o som da bigorna como um clarim do céu
vão dizendo em toda a parte o pintor morreu

teu sangue, pintor, reclama outra morte igual
só olho por olho e dente por dente vale

à lei assassina, à morte que te matou
teu corpo pertence à terra que te abraçou

aqui te afirmamos dente por dente assim
que um dia rirá melhor quem rirá por fim

na curva da estrada há covas feitas no chão
e em todas florirão rosas de uma nação.

Zeca Afonso, 'A Morte Saiu à Rua'

 

 

 

o melhor do debate?

 

A rouquidão do Jerónimo de Sousa, sem dúvida.

 

terça-feira, fevereiro 15, 2005   

 

à escuta

 



_________________

insistentemente na
energia da água
na fronte das torrentes
na construção intermédia
procuro o teu corpo.

 

 

 

 

Chamar-me-ei mulher
na nudez da minha pele
na morte que me ensina a
vida toda num relâmpago
no punho no vinagre e no mel
no sangue e na carne
na gargalhada do fogo
na sabedoria da solidão
no silêncio combativo das passagens

até à ultima das minhas lágrimas
chamar-te-ei de vida terra água clara
cereja púbis madrugada

serei mãe amiga amante
guitarra rochedo seiva
tudo o que quiseres

mas serei inteira.

 

segunda-feira, fevereiro 14, 2005   

 

o post para apaixonados

 


«Casamento

"Na riqueza e na pobreza, no melhor e no pior, até que a morte nos separe."
Perfeitamente.
Sempre cumpri o que assinei.
Portanto estrangulei-a e fui-me embora.»

- Mário-Henrique Leiria, Contos do Gin-Tónico

 

 

 

esta noite

 

violetas secas entre páginas de um livro
onde em tempos anunciaram o amargor da noite
e a humidade tremenda das insónias

o mar
o mar ao longe

debruça-se então para o interior do livro
lê qualquer coisa sobre o coração dos líquenes
ou deambula de sílaba em sílaba onde
os dedos se mancham de tinta e no cérebro
ergue-se uma planta de cinza noite adiante

fechou o livro ao amanhecer
era como se tivesse envelhecido séculos
com as violetas
feche a periana e adormece.

- Al Berto

 

sexta-feira, fevereiro 11, 2005   

 

eu que nem ligo muito a estas coisas, ando há dias com uma dúvida a martelar a minha pobre cabecinha

 

porque é que para os entrevistadores o Francisco Louçã é o 'Francisco Louçã', o Santana Lopes é o 'Dr. Santana Lopes', o José Sócrates é o 'Eng.º José Sócrates e o Paulo Portas é o 'Dr. Paulo Portas'?
Terá andado o Sr. Francisco Louçã na mesma faculdade que o Sr. Jerónimo de Sousa?

 

 

 

 


Gerês (Albufeira)

Há quem arranhe as paredes por desejo.
Há quem forje a simetria e erre sublimemente.
Há quem procure dias de sol e de chuva no fundo dos bolsos e só encontre bilhetes e gestos de adeus.
Há quem se assuste facilmente com o ruído do silêncio.
Há quem confira todas as manhã os dedos dos pés e das mãos.
Há quem diga que os fantasmas não existem e que o Elvis não morreu.
Há quem nunca queira decepcionar os outros, decepcionando-se.
Há quem tenha rituais inúteis.
Há quem invente a pele e espere sem descanso os restos do silêncio da noite.
Há quem aponte e deixe os tiros para os mais corajosos.
Há quem ache que o dicionário nunca estará completo.
Há quem tropece mesmo quando está parado.
Há quem espere pelo combóio na paragem do autocarro.*
Há quem fique sempre à espera.

* Sérgio Godinho

 

quinta-feira, fevereiro 10, 2005   

 

rascunho para qualquer coisa

 

d e v a g a r
muito d e v a g a r
as ondas crescem nas palavras mortas
e o rosto todo posto contra a terra
entre as farpas do solo
como os heróis defendidos na dureza da morte

isto acontece em fragmentos de céu estendido
entre fevereiro abril setembro ou mês qualquer
isto chove nos dias em cólera amarga
dentro de um homem e de uma mulher

intestino que cresce e se alarga
ruga rasgada
idioma novo em pureza batido ao longo
das tardes noites silêncios dos dias
e colunas onde mãos repousam
nas veias circulando outro sangue

isto é fim e princípio nos sítios ignorados
onde viver é renovar as lanternas maiores
os ângulos acrescidos de vogais furando muros
de sombras retalhados.


_______________
poema sujeito a mutação

 

quarta-feira, fevereiro 09, 2005   

 

 

Só o sol enfraquecido vai crestando as palavras que saiem do corpo.
O desejo apenas balbuciado.

 

 

 

 

escuta:

espero-te na casa da transparência
na hora estendida dos invernos onde
caminhos sangram e pessoas assobiam o
som metálico da vida

escuta:

tenho o coração firme na boca e o trote
dos cavalos sem máscara na tua mão
e o roxo de tanto azul sobre o cobre dos dias
sustem a história que nos une

escuta-me.

 

sexta-feira, fevereiro 04, 2005   

 

 

«Pouco mais há a dizer. caminho largando os últimos resíduos da memória. fragmentos de noite escritos com o coração a pressentir as catástrofes do mundo. a grande solidão é um lugar branco povoado de mitos, de tristezas e de alegria. mas estou quase sempre triste. algumas fotografias revelam-me que noutros lugares já estivera triste. por exemplo, no fundo deste poço vi inclinar-se a sombra adolescente que fui. água lunar, canaviais, luminosos escaravelhos. este sol queimando a pele das plantas. caminho pelos textos e reparo em tudo isto. o que começo deixo inacabado, como deixarei a vida, tenho a certeza, inacabada. o mundo pertenceu-me, a memória revela-me essa herança, esse bem. hoje, apenas sinto o vento reacender feridas, nada possuo, nem sequer o sofrimento. outra memória vai tomando forma, assusta-me. ainda quase nada aconteceu e já envelheci tanto. um jogo de estilhaços é tudo o que possuo, a memória que vem ainda não tem a dor dentro dela. as fotografias e os textos, teu rosto, poderiam projectar-me para um futuro mais feliz, ou contarem-me os desastres dos recomeçados regressos. mas, quando mais tarde conseguir reparar que a vida vibrou em mim, um instante, terei a certeza de que nada daquilo me pertenceu. nem mesmo a vida, nenhuma morte. na mesma posição, reclinado sobre o meu frágil corpo, recomeço e escrever. estou de novo ocupado em esquecer-me. a escrita é precária morada para o vaguear do coração. resta-me a perturbação de ter atravessado os dias, humildemente, sem queixumes. anoitece ou amanhece. tanto faz.»
- Al Berto
o bold é meu

 

 

 

 


© raquel costa

Tempo houve em que eu era atenta. Aqui dentro.

 

quinta-feira, fevereiro 03, 2005   

 

 

Nas palavras não cabem muitas coisas...

Não cabe, por exemplo, o cheiro das tuas mãos nas minhas, não cabe o espaço que sobra quando imagino que visto o teu roupão, nem sequer cabe a velocidade dos meus olhos quando te olho. Não cabe o peso das pálpebras, noite após noite, não cabe o sono, dia após dia, não cabe as cores da memória e não cabe a minha sede.


Nas palavras não cabem muitas coisas...
Não cabe, principalmente, a distância.

 

quarta-feira, fevereiro 02, 2005   

 

 

espero a forma de poderes continuar
na tua pele enquanto eu na minha

fevereiro cai na perfeição do frio
estamos em esquinas de muitos olhos.

 

terça-feira, fevereiro 01, 2005   

 

 

«(...)
em ti acostam os barcos e a sombra dos grandes navios do mundo
vive o peixe, agitam-se algas e medusas de mil desejos
em ti descansam os pássaros chegados doutras rotas
secam as redes, põe-se o sol
em ti abandona a ressaca das ondas e o sal dos meus olhos
as árvores inclinadas, os frutos e as dunas
em ti pernoita a seiva cansada das palavras, o suco das ervas e o açúcar transparente das camarinhas
em ti cresce o precioso silêncio, as ostras doentes e as pérolas dos mares sem rumo
em ti se perdem os ventos, a solidão do mar e este demorado lamento.»

- Al Berto (Trabalhos do Olhar)

 

 

pergunta-me [se te apetecer]

parece que foi ontem:

pronto, já passou:

os outros:

procura [se te apetecer, também]