O amigo
Era um rapaz passivo. Aceitava tudo o que vinha dos chefes. Porém, como era bajulador, incomodava.
Cortaram-lhe a língua: deixou de elogiar.
Depois cortaram-lhe os dedos. Deixou de escrever textos laudatórios.
Foi num desses dias que, com a cabeça a bater numa mesa - em código morse - ele disse, para os seus chefes:
- Mais uma como esta e perdem um amigo.
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O delito mais grave
Todo o cidadão que não soubesse respeitar as hierarquias militares era condenado a seis anos de prisão. E todo o cidadão que assassinasse outro era condenado a vinte anos de prisão.
O assassino, ao ver que o general assistira ao seu crime, jogou tudo por tudo e disse: você é um reles soldado!
Resultou.
Como os juizes castigavam sempre o delito mais grave o homem foi condenado a seis anos de prisão.
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Interrupção
Um homem muito velho, quase cego, sem memória, que tremia e mal conseguia andar, tropeçou e caiu com o coração em cheio sobre a lâmina afiada de uma faca.
Antes de morrer ainda conseguiu dizer: «logo agora que».
- Gonçalo M. Tavares, O Senhor Brecht (Editorial Caminho, 2004)