É terça-feira

 

Foi no regresso.
Disseste que sim, que era ali a Feira da Ladra e, juntos, começamos a trautear:

É terça feira
e a feira da ladra
abre hoje às cinco
da madrugada

E a rapariga
desce a escada quatro a quatro
vai vender mágoas
ao desbarato
vai vender
juras falsas
amarguras
ilusões
trapos e cacos e contradições

É terça feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração
é incapaz
de dizer
"tanto faz"
parte para a guerra
com os olhos na paz

É terça feira
e a feira da ladra
quase transborda
de abarrotada

E a rapariga
vende tudo o que trazia
troca a tristeza
pela alegria
e todos querem
regateiam
amarguras
ilusões
trapos e cacos e contradições

É terça feira
e a feira da ladra
fica enfim quieta
e abandonada
e a rapariga
deixou no chão um lamento
que se ergue e gira
e roda com o vento
e rodopia
e navega
e joga à cabra-cega
é de nós todos
e a ninguém se entrega.

- Sérgio Godinho

 

Enviar um comentário

 

 

pergunta-me [se te apetecer]

pronto, já passou:

os outros:

procura [se te apetecer, também]