segunda-feira, julho 31, 2006   

 

 

as águas do douro, nesta manhã, passam mais impetuosas.
alimentaram-se toda a noite de um vendaval que desvendou a minha angústia.
impliquei com os amigos, chorei-lhes no ombro, mas pensaram ser da chuva.
do rio que vi, de um outro ângulo, não pude partilhar o fascínio - é raro encontrar alguém disponível para o encantamento.
por isso o temporal desvendou a minha angústia e deixou-me ainda mais sozinha numa cidade de árvores e telhas partidas, muros ruídos, terras desmoronadas.
as águas do douro, se nesta manhã já acordaste, correm agora ainda mais impetuosas. transbordam a minha mágoa.
suspensos, os arcos, adornam a memória de um tempo antigo e aguardam, na sua imobilidade granítica, que lhes seja dada a oportunidade de assistirem ao ritual. (em que corpo te aninhaste quando o vento arrancava uivos nos portais, quando a chuva encharcava as ruas, quando as ondas batiam no paredão? em que corpo te aninhaste quando a noite se mostrou excessiva e se adornou de relâmpagos e desventrou troncos de árvores e subjugou os parcómetros?)
volta à margem do douro e repara no rosto do barqueiro sombrio. bem lá no fundo dos olhos há qualquer coisa que ficou de tempos imemoriais. se descobrires o quê, poderás explicar o meu desencanto. é que eu não faço mais que chegar. e os outros, nada mais fazem que partir e acenarem-me adeuses e deixarem-me em praças vazias.
é que eu não faço mais que chegar. tarde.

 

domingo, julho 30, 2006   

 

...

 

«hoje à noite avistei sobre a folha de papel
o dragão em celulóide da infância
escuro como o interior polposo das cerejas
antigo como a insónia dos meus trinta e cinco anos

dantes eu conseguia esconder-me das paisagens
podia beber a humidade aérea do musgo
derramar sangue nos dedos magoados
foi há muito tempo
quando corria pelas ruas sem saber ler nem escrever
o mundo reduzia-se a um berlinde e as mãos eram pequenas
desvendavam os nocturnos segredos dos pinhais

não quero mais perceber as palavras nem os corpos
deixou de me pertencer o choro longínquo das pedras
prossigo caminho com estes ossos cor de malva
som a som o vegetal silêncio sílaba a sílaba o abandono
desta obra que fica por construir... o receio
de abrir os olhos e as rosas não estarem onde as sonhei
e o teu rosto ter desaparecido no fundo do mar

ficou-me esta mão com sua sombra de terra
sobre o papel branco... como é louca esta mão
tentando aparar a tristeza antiga das lágrimas»

Al Berto
O Medo

 

 

pergunta-me [se te apetecer]

parece que foi ontem:

pronto, já passou:

os outros:

procura [se te apetecer, também]