tinha agora muitas ruas para passear o desencanto. não sabia, mas a alma estava esfrangalhada como um navio depois do naufrágio. os olhos eram velas desfeitas e os braços mastros partidos a vogar sem destino por percursos já quase irreconhecíveis. quis arrancar os olhos (sombrios sonhos da paixão incompleta), quis arrancar os cabelos (teias desfeitas pelos vendavais do abandono), quis esquecer que tinha muitas ruas para passear o desencanto.
não fazia mais que chegar. chegar sempre depois. chegar e já partir. (porque é preciso que se diga que, mal se encontraram, nesse preciso instante, começaram a separar-se). era agora um veleiro triste depois do naufrágio. viu multiplicarem-se os adeuses que a perseguiam desde a infância e as gaivotas riscavam despedidas no crepúsculo da chuva. cumpriria o ritual do riso e das lágrimas. no fim, talvez arrancasse os olhos e vincasse as feridas a sangrar. com um punhal.

 

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